18 junho, 2013

Alvarim


Não me recordo de tudo nem de todos. Mas as memórias que me surgem como flashes libertam-me um sorriso...nos lábios...de felicidade quando penso em Alvarim.

A viagem prometia ser longa e com alguns enjoos pelo meio, a ver as vistas, sempre tão diferentes de Lisboa. Diferentes de Lisboa, do meu bairro, diferentes dos Olivais.

Era a camioneta que nos levava às tão ansiosas férias, depois de esgotarmos nas tardes de galdérice na rua, todas os jogos: às escondidas, ao apanha, aos policias e ladrões , à sirúmba...

Lá para Setembro , deixávamos as brincadeiras de rua e rumávamos às aventuras da aldeia, entre matas, hortas, entre videiras e pessegueiros, lagartixas e galinhas poedeiras, flores e canteiros à farta, tanques de lavar roupa e fontes de água leve e fresquinha. Festas castiças, gente amável e simpática aguardavam-nos e nós sabíamos.

Lá íamos, com um só destino: Alvarim, algures na Beira Alta. Para onde vais? Perguntavam-me os amigos do bairro. Eu respondia com a alma cheia: - Vou para a Beira Alta, para a terra da minha Avó. ...que nem lá morava, curioso!!!

Ia ver a minha Tia Alice, que bebia o seu copinho de vinho como ninguém e a minha Tia Aida que deitava sempre a sua lágrima quando nos percorria a todos com dois beijos molhados e sempre agarrada à sua muleta. Esta fazia de outra perna, aquela que lhe roubaram nos tempos em que a impotência da medicina aliada às poucas posses, resolviam as infecções que não eram capazes de controlar, com a amputação... Mas não se pense que a minha Tia Alice era menos por isso. Ela era dona de uma força e energias que nem eu com as minhas duas pernas, alguma vez hei-de atingir.

Lá íamos nós, montados na camioneta com malas e tralhas aviadas para mais uma longas férias. Não sei muito bem como depois cabíamos todos no táxi...sem cintos, sem cadeiras da Xico. Mas chegámos sempre bem ao destino, à nossa aldeia, para nós a nossa casa de férias.

A receber-nos tínhamos o cheiro da terra, que se tornava mais autêntico e intenso quando chovia. Éramos muitos e muitas malas se traziam para aquela casa pequena que se enchia somente com a nossa presença. E os vizinhos, sempre atentos e embora ocupados com os seus afazeres e tinham muitos, davam conta da nossa chegada. Em especial os mais pequenos, as crianças, os adolescentes que já sabiam que aquela gente de Lisboa estava de volta.

Da tradição, também fazia parte os cestos à porta. As batatas, as cebolas, as couves tronchundas, as cenouras acabadas de apanhar, lá estavam na manhã seguinte, a darem-nos as boas vindas, com todos os ingredientes para a sopa da terra.

 

 

08 junho, 2013

A amizade

Os amigos da vida. Aqueles que conhecemos de uma vida. Os tais que nos acompanham à tanto tempo que se confundem com a nossa própria vida. Aqueles que estão lá porque sabem que tem de estar. Que chegou o momento em que são chamados a assumir e a desempenhar o seu papel. Embora por vezes sem muita vontade, em detrimento do seu próprio bem estar. Pois são os amigos. Aqueles que apenas com um breve olhar, nos despem a alma e adivinham o que por lá vai a pairar nos nossos pensamentos. Os que adivinham o nosso sofrimento, confusão, estados de espirito. Os tais que às vezes só a sua presença nos conforta.
Ao contrário do "Principezinho" para quem a amizade só é possível se esta for "regada" e constantemente alimentada, a verdadeira amizade resiste ao afastamento e distanciamento. Tempos e tempo sem conversas e permanentes actualizações, não colocam em causa a existência da verdadeira amizade. Põe-na à prova, levam-na ao limite....mas não a enfraquecem. Ao invés, ela sai fortificada, assumida e para sempre gravada no trajecto da nossa vida.
A amizade não é como os iogurtes. A amizade não tem prazo de validade, não se esgota, não se esquece. Pode ficar durante muito tempo numa caixinha dourada, sempre pronta a ser aberta, libertada.....sempre pronta para ser vivida e continuada.
Os amigos fazem falta, fazem me falta, dão sentido à minha vida, a par com família, claro. Vivam os amigos, viva a amizade.

04 junho, 2013

SAGRES

Sagres fica no Algarve. Não, não fica. Porque Sagres não pertence a nenhuma região. Sagres é Sagres. Só sei que fica em Portugal, na ponta de Portugal. Há o Algarve e há Sagres.
O resto do Algarve é para meninos :) já Sagres é para os duros, os que gostam de aventura. Aquele tipo de aventura em que não se sabe muito bem o que se vai encontrar. As expectativas de quem vai a Sagres nunca saem logradas. Porque quem conhece Sagres já sabe ao que vai. É que Sagres nunca está como queremos mas sim como ela quer. Por vezes chega-se ao centro da vila, depois de uma viagem mais longa que a de Marco Polo, mais dura que a dos descobridores e, o sol entende-se por toda a praça principal e ilumina as esplanadas. Estas, cheias de gente gira, com marcas na pele de dias passados na praia...
Mas depois vira, vira o tempo, expulsa-se o sol e surgem as nuvens que ameaçam chuva. E as ameaças chegam a vias de facto. E do nada, passamos de um magnifico azul, feliz com a presença do sol, para uma visão escura, com o mar ao fundo, a denunciar a chegada de tempestade.
Sagres é para os duros. Para os que respeitam o temperamento inconstante daquela terra, que avisa o fim do território Português e a chegada do mar, pelo pontão que se faz comandar pelos ruídos do vento.
Sagres é o limite, a porta para o oceano e só Sagres comanda aquela porta e recebe quem por lá passa como bem entende. Como lhe apraz!
Em Sagres não há pressas até porque quem manda e quem decide o que fazer e como preencher o tempo é......claro....Sagres!
 E não se pense que se vai banhar nas praias quentes do Algarve e brincar nas pequenas ondas. Nada disso! As águas de Sagres são como Sagres: frias e sem piedade.
Ir para Sagres é ter a certeza que se vai para um sítio especial, temperamental, incerto. Sabemos para onde vamos mas não sabemos o que vamos encontrar. Mas estão lá das mais belas praias de Portugal,  a meu ver, com areal a perder de vista e que de tempos em tempos levanta voo e espalha-se por quem descalço se passeia pela praia. É Sagres quem também comanda o vento.